Atribuir maior significado ao que se estuda e transformar cada conteúdo em uma oportunidade prática de vivência são os objetivos das aulas-passeio da Casa Escola. Um ótimo exemplo disso foi a visita do nosso 1º ano à Aldeia Katu, localizada em Canguaretama. O que teve início com o objetivo de experimentar o brincar e a relação com a natureza logo se transformou em uma verdadeira imersão na ancestralidade do povo Potiguara-Katu.
A turma foi recebida pelo cacique, recentemente homenageado pela UERN com o título de Professor Honoris Causa, Luiz Katu, que compartilhou a trajetória de resistência e luta da sua comunidade e destacou a importância da preservação do território e da cultura indígenas. Ao longo do passeio, além do banho de rio tão esperado e de experimentarem as brincadeiras indígenas, nossos alunos aprenderam sobre pertencimento e a necessidade de combater os estereótipos que cercam as populações indígenas em nosso país.
As crianças também participaram de atividades culturais, puderam conhecer de perto o cultivo orgânico praticado pela comunidade e, mais do que isso, ouviram as histórias contadas por aqueles que vivem essa realidade. Foi um dia cheio de descobertas e trocas significativas, que trouxe um novo olhar sobre o Brasil e suas raízes, conectando os alunos de maneira profunda à diversidade cultural que nos cerca.
E hoje nós queremos compartilhar esses aprendizados com você. Confira, a seguir, uma entrevista com o cacique Luiz Katu, que falou sobre a importância dessas visitas para a educação e a preservação da cultura indígena, além de compartilhar a história e os desafios de seu povo.
Casa Escola: Pode compartilhar um pouquinho sobre a história da comunidade Katu e o povo Potiguara?
Cacique Luiz Katu: Nós somos o povo Potiguara-Katu, estamos na margem do Rio Catu e habitamos esta região já há alguns séculos. A Aldeia Katu vem de uma antiga missão, onde o nosso povo foi confinado no nosso próprio território, que é a missão de Gramació. Gramació também é uma palavra da língua tupi, que significa “coado na moita”. Era assim que o povo Katu se sentia quando foi confinado em missão jesuíta nas famosas aldeias, os aldeamentos jesuítas. Então, a gente esteve confinado durante o século XVII e atualmente o local desse aldeamento é chamado Vila Flor, a cidade. Hoje, a gente ocupa todo o curso do Rio Catu, da foz até a nascente. Somos aproximadamente 310 famílias, totalizando em média 915 pessoas que habitam hoje o território que reivindicamos. Estamos dentro de uma área de proteção ambiental chamada APA Piquiri-Una.
Casa Escola: Como vocês avaliam a importância de visitas como a que fizemos aqui?
Cacique Luiz Katu: Nós, indígenas do Katu, que estamos inclusive envolvidos na educação — tanto a educação indígena, como a educação escolar indígena e a temática indígena —, entendemos que é fundamental que as escolas que oferecem uma educação não indígena, que são as escolas das cidades, venham in loco aqui nos conhecer, conversar conosco. Essa é a melhor forma de quebrarmos estereótipos e a invisibilidade que os povos indígenas sofreram durante séculos, e de mostrarmos uma cultura viva. Viver essa experiência aqui é conversar com indígenas e ouvir a história a partir do contexto que nós passamos. É muito diferente de ler autores não indígenas que falam pela sua observação. O olhar de um observador é um; o olhar e a fala de pertencimento de um indígena são outros. Quando uma instituição traz crianças, jovens, adolescentes ou até adultos para o território Katu, ela dá a oportunidade de ouvir os verdadeiros autores, aqueles que sempre estiveram aqui, e como eles percebem tudo o que aconteceu.
Casa Escola: Como essa experiência educacional está sendo implementada na comunidade Katu?
Cacique Luiz Katu: Nós desenvolvemos aqui no território atividades de etnoturismo, turismo pedagógico e aula pública, aula aberta. Isso tem colaborado muito para reescrever a historiografia oficial do Rio Grande do Norte. Quem quer ter essa experiência de reescrita direta com os indígenas tem que vir aqui.
Casa Escola: A luta pela demarcação de terras continua sendo uma questão urgente para o povo Potiguara-Katu. Como as pessoas podem colaborar com essa luta?
Cacique Luiz Katu: Uma das questões que temos priorizado é sensibilizar as pessoas que vêm aqui e conhecem a luta do povo indígena pela demarcação. Enquanto a terra não é demarcada, ela fica muito vulnerável a invasões. Hoje, há muita invasão ainda no território: retirada ilegal de madeira, invasão do agronegócio da cana-de-açúcar, retirada ilegal de águas das nascentes, perfuração de poços tubulares. Tudo isso são violações que o território sofre. O primeiro passo para colaborar com a nossa luta é conhecer melhor o nosso povo, entender o contexto de luta e dar visibilidade a ele. Confirmar que conheceu o povo, a luta pela agricultura indígena, pela lavoura orgânica, e propagar isso nas redes sociais, nas escolas, em casa. A opinião pública é fundamental para garantir a perpetuação da existência dos povos indígenas e a garantia dos direitos fundamentais.
Você pode conhecer mais e apoiar o trabalho da Aldeia Katu pelo Instagram: @etnokatu