Brigas na escola: como mediar?

Brigas na escola: como mediar?

Desentendimentos, mordidas, empurrões. São situações que infelizmente as crianças podem passar na interação umas com as outras, inclusive na escola.

O instinto de cuidado e proteção, inerente aos pais e educadores, acende a luz da necessidade de uma reação para estas situações. Mas, qual a melhor maneira de lidar com as brigas na escola?

Realmente, faz parte do desenvolvimento infantil a disputa pelo espaço e a autoafirmação. Porém, é preciso ter uma maior atenção nas razões dos desentendimentos e se estão ocorrendo com muita frequência.

E falando de ambiente escolar: a interação dos pais em parceria com a escola é essencial para a resolução dos conflitos mais complexos. Os motivos das brigas podem ser diversos e o acompanhamento em casa e no ambiente escolar, certamente, vai contribuir para a identificação e com os cuidados do problema.

Mas, veja bem, o compartilhamento das preocupações com a criança entre equipe da escola e pais deve ocorrer no âmago da confiança e isso, com certeza, vai contribuir diretamente para o amadurecimento do aluno. Adultos que sabem dialogar entre eles gera confiança na criança. Daí ninguém está tentando procurar o culpado, mas vendo o que cada um consegue contribuir para que a criança saia do local da violência.

Por que será que a briga começou e por que meu filho precisou usar a agressividade, seja ela usada para se defender ou atacar, qual o motivo que leva uma criança a se encontrar em situações que envolvem a violência?

Alguns dos motivos que podem levar às brigas recorrentes estão em uma forma da criança demonstrar insatisfação, algo que lhe incomoda mas não tem como explicar, uma tentativa de ser ouvida quando não consegue se expressar melhor, às vezes um modo de impor sua vontade sem levar em consideração o limite do outro, o que deve ser entendido melhor para poder ser cuidado.

A empatia deve existir nesses momentos para ambos os lados, o do agressor e o do agredido e concomitantemente o limite também deve ser colocado por parte dos adultos. Se isso acontecer em diálogo com a família, será muito melhor para todos.

Quais os riscos das brigas na escola para a criança?

Cuidar não quer dizer necessariamente punir. A conversa pode dar muito mais resultados do que a mera punição como regra  para tratar do assunto. Mas é importante que os alunos entendam que há outros caminhos para resolver desentendimentos e inclusive evitá-los em função do diálogo e da busca pelo entendimento.

Portanto dar pouca atenção às agressões e deixar as crianças resolverem sozinhas pode gerar uma zona de risco não  só quanto a integridade  física mas em relação a outras questões pertinentes ao emocional da criança. Ambos os lados, agressor e agredido, sofrem com o descaso do adulto.

Se, ao contrário disso, há uma criança sem limites dada às ações de violência, ela também pode estar sendo uma vítima.

O comportamento agressivo, por vezes, pode ser um modo de externar um sofrimento, uma dor, uma insegurança na qual a criança está inserida ou até marcada. Criança sem limites torna-se criança extremamente ansiosa, o desejo dela está sempre acionado em busca de algo que nunca a satisfaz por muito tempo. Bater em outra criança, provocar, chamar a atenção para si é uma forma de conseguir atenção mesmo se for repreendida.

Quando há o excesso de permissividade por parte do adulto responsável, nem sempre as regras da escola substituem o limite que deveria ter vindo de casa. Trata-se do limite da segurança, da base do discernimento, o que traz conforto à criança, as bordas necessárias para o amadurecimento e que  indicam com clareza até onde a criança pode ir – se satisfazer sem desrespeitar o outro ou até entrar para área do perigo.

Como lidar com as brigas na sala de aula?

Ações que visem a diminuição dos conflitos podem provocar repercussão não apenas neste período da infância, mas também colaborar para a formação de adultos mais saudáveis emocionalmente.

Dessa forma, não normalize os conflitos como “é coisa de criança”, “depois eles estão amigos de novo”, principalmente quando há frequência nas brigas e nos envolvidos.

Também não aponte as crianças como culpadas e responsáveis pela situação, sem compreender o contexto do desentendimento e, principalmente, o estado emocional delas.

Lembre que as crianças agem como espelho. Refletem o que veem e ouvem. Como então chegariam à conclusão de que usar a violência não é a forma de resolver os problemas? Será que as crianças são estimuladas em casa a bater para não apanhar?

As crianças trazem falas de que seus pais muitas vezes as advertem de que não é para apanhar na escola e sim devolver  na mesma moeda. Alguns pais esquecem que na escola há adultos para mediar e que, afinal, violência gera mais violência.

Um caso que ocorreu na escola – as coisas não são tão simples

No caso de Jorge do 2o ano, ele pediu ajuda da professora e da coordenadora pois um colega do 5o ano, Renato, estava fazendo rimas debochadas com seu nome. Ele  já não aguentava mais e estava prestes a partir para a violência. Trouxe para a escola um objeto pontiagudo na mochila, o que foi receptado pelo professor de Educação Física.

Visto a dimensão do conflito, o aluno do 5o ano, Renato, foi chamado junto com Jorge à sala da diretora com a coordenadora e a sua professora para se entender melhor o motivo da discórdia entre os dois colegas. Isto é,  cada um contar, sob o seu ponto de vista, o que aconteceu e tendo que  ouvir a versão do colega.

Ao perceber que ambos teriam que contar suas versões, e que o que cada um relatasse seria cuidadosamente anotado, Jorge perguntou para que servia aquela anotação. A diretora respondeu que era para dar a devida importância para cada um dos envolvidos na briga e para que a história contada não fosse futuramente distorcida, o que ajudaria a compreender o conflito.

Nessa hora, Jorge titubeou em suas certezas e disse que não sabia exatamente quem havia começado com a provocação. Ele refez sua antiga versão de vítima, pois ele “se lembrou” de que  havia começado com as animosidades causadas  por alguma discussão sobre gosto musical. Jorge criticou o gosto musical de Renato em tom de deboche e depois disso, Renato não lhe deu mais folga.

Logo após, Renato pode contar a sua versão, na qual foi possível perceber seu tom agressivo e conclusivo: “Ele começou, então ele é o culpado. Acabou a conversa!”

Nessa hora, foi possível identificar o pavio curto de Renato, e a causa que levou as provocações mútuas se estenderem por tanto tempo.

De início, Renato não gostou muito desta reflexão, mas se percebeu muito maior que Jorge e até se sentiu infantilizado por suas atitudes, lugar que ele não gostaria de ocupar, afinal se envolveu em briga com criança bem menor que ele. Por outro lado, Jorge pode reconhecer sua ousadia em se meter com alguém bem mais velho e de maneira tão provocativa.

Nesse caso não foi preciso participar, imediatamente as famílias, mas deixar as coisas se acomodarem no ambiente escolar e em caso de necessidade, trazer o ocorrido aos pais.

Para Piaget, autor de Juízo Moral da Criança e teórico de vários estudos sobre o desenvolvimento infantil no século XX, quanto menor a criança menor a sua capacidade de julgar o que é certo e errado, daí ela faz o certo pelo viés da obediência e  pensando nas consequências.

Entretanto quanto maior e mais madura a criança, ela se torna mais capaz de julgar as ações por suas intenções. Ela não faz o certo porque vai acontecer algo de ruim com ela, mas porque não é sua intenção causar um dano a alguém ou a si mesma.

Portanto, em vários casos de conflitos, a presença de uma criança mais madura durante o diálogo junto com a mais imatura ajuda a desestabilizar esta última. Assim se abrem as portas para a reflexão compartilhada em um ambiente de confiança entre crianças e adultos.

Identifique o motivo

O que fica claro então é que  não adianta dar a bronca pelo mau comportamento com único recurso e sem nem identificar a raiz do conflito.

Entender não apenas a causa daquela briga, mas o motivo das atitudes,  inclusive se há algo acontecendo na vida pessoal das crianças, ou até mesmo se é falta de orientação ou condição emocional.

Entender o que há por trás da agressividade facilitará a criação de um canal de diálogo com a criança e a possibilidade de mudanças mais concretas e permanentes em função de um acolhimento que a aprova. Isto ocorre quando as crianças estão aptas para entender os valores embutidos no verdadeiro ato de  dialogar.

Abra um espaço de diálogo no dia a dia

Entender e buscar uma solução para a situação de conflito passa necessariamente, como já vimos, pelo diálogo. Isto não quer dizer que o limite não é colocado.

Diálogo é troca, compartilhamento, empatia, entendimento quando é possível ceder. Não se trata de aconselhamento, bronca ou lição de moral, está na área da compreensão.

Trata-se  sim de uma série de mediações  em que o educador e família se atentam ao que a criança quer ou até gostaria de falar. É um processo diário na rotina escolar e de casa.  Em outro texto aqui no blog, falamos sobre esta prática, a da Escuta Ativa.

No caso do ambiente escolar, especificamente, é importante que o aluno tenha um canal para o diálogo, um lugar em que se sinta seguro para falar e que possa dividir com alguém o que aconteceu e como ele está se sentindo. É preciso levar em consideração as subjetividades, os sentimentos e não apenas os fatos.

A criança precisa se sentir protegida mesmo que tenha feito algo de errado. Se não há confiança, o adulto não pode contar com o conhecimento dos fatos, os mais próximos de uma verdade e nem intervir de maneira autêntica, sem se tornar um juiz.

Sobre isso  a psicanalista e psicopedagoga Marisangela Siqueira de Souza, diretora-adjunta da Escola de Formação Paulo Freire, fala sobre o tema Mediação de conflitos na escola,. Assista ao vídeo

Estimule o pensamento coletivo

Atividades coletivas ajudam a desenvolver o senso de coletividade. Simples assim? Nem tanto, é justamente nas atividades coletivas que podemos observar o traquejo social da criança/ Participar de atividades em grupo aumenta a reflexão acerca da convivência ,  além de o autoconhecimento, ajuda também  a entender os limites do outro – como um ser de vontades e de direitos assim como qualquer um. É essencial para a criança poder refletir sobre seus limites e sobre a necessidade de respeitar as regras da boa convivência a partir do respeito ao limite do outro e do local que ela está frequentando.

Isto pode ser incentivado através de atividades práticas com intencionalidade, brincadeiras e jogos em grupos de forma que um precise da colaboração do outro. É uma experiência interessante para a prevenção de brigas e demonstrativo do valor do respeito ao próximo.

As boas vivências dos alunos também devem ser relatadas aos pais como um passo para abertura de diálogo e parceria entre a escola e família. O que para uma criança pode parecer trivial para outra pode ser um grande avanço.

Nesse caso podemos trazer o exemplo de Ricardo (5 anos). Ricardo usa as mãos ao falar com os colegas de maneira indesejada e um tanto agressiva, assim parecendo do nada. Por vezes, rasga ou risca a atividade do outro. Algumas crianças já comentam que não gostam da companhia dele.

Nas situações de conflito, as professoras procuram usar o diálogo com Ricardo, apontam para o que as crianças não gostam e por outro lado reforçam as conquistas, nunca focando o lado da dificuldade da criança. A leve mudança de atitude do agressivo para o mais social é detectada e comentada: “Olha que bacana, Ricardo, você conseguiu usar a gentileza com seu amigo, ele parece que gostou”.

O que surpreendeu a equipe foi que Ricardo foi à sala da diretora por iniciativa própria e comentou com ela que gostava de bater no Jeferson, mas que agora parou e se tornou amigo dele. Isso foi uma conquista significativa.

Ricardo compreendeu que agressividade e amizade não andam bem lado a lado e que para ter amigos é preciso mudar as atitudes. Isso não é um ponto final, pois a agressividade de Ricardo tem alguma razão de ser, entretanto para ele algo vem convocando-o a abrir mão dela.

Cuidar da agressividade é um trabalho conjunto em que, muitas vezes, não há um retorno imediato. Porém, quando necessário é preciso que o adulto possa intervir na resolução do cenário de conflito, em que as crianças podem ser escutadas, ter iniciativas próprias e não ficarem reduzidas àquele momento da briga.

Você tem alguma dica sobre o assunto? Conta aqui pra gente!

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